Você provavelmente conhece alguém — ou talvez seja essa pessoa — que, ao decidir investir fora do Brasil, só pensa nas “Magnificent Seven”. Só quer saber de Nvidia, Tesla e daquelas ações que explodem de valor. Mas hoje, eu vim aqui falar sobre o investimento mais negligenciado pelos brasileiros, mas que está em um momento excelente para proteger e potencializar os resultados da sua carteira: a renda fixa em dólar.

Infelizmente, pouca gente fala sobre isso. Como somos brasileiros, acostumados a ser o “país da renda fixa” com a Selic pagando dois dígitos sem risco, quando cruzamos a fronteira, tendemos a tomar riscos exagerados. Mas existe um “seguro rentável” que você precisa conhecer. Neste artigo, vou te mostrar por que você deve ter um pedaço do seu patrimônio em renda fixa em dólar e como aproveitar o cenário atual de juros altos nos EUA.

Renda Fixa vs. Ações: A Arte da Correlação

No jogo do enriquecimento de longo prazo, nós não queremos ser videntes. Tentar acertar qual ação vai triplicar no ano que vem é uma tarefa quase impossível. Uma boa carteira não é aquela que nunca cai, mas sim aquela que atravessa a tempestade mantendo o potencial de retomada. E é aqui que entra a mágica da combinação entre ações e renda fixa em dólar.

Pense comigo: se você tem um portfólio 100% em ações, você tem alto risco e alto retorno esperado. Mas você aguentaria ver seu patrimônio cair 40%, como aconteceu em 2022? Por outro lado, 100% em renda fixa é seguro, mas rende menos. O segredo é combinar ativos com correlação negativa.

Historicamente, quando o mercado de ações cai, os Bonds (títulos de renda fixa americanos) tendem a subir ou se manter estáveis. É como se, no dia a dia, eles fizessem caminhos inversos, suavizando a volatilidade da sua carteira. Você preserva boa parte da potência de retorno das ações, mas dorme muito mais tranquilo.

Os Dois Grandes Riscos: Crédito e Mercado

Para investir bem em bonds e títulos internacionais, você precisa entender que renda fixa nada mais é do que um empréstimo. E, como em todo empréstimo, existem riscos.

1. Risco de Crédito (O Calote)

Imagine que você vai emprestar dinheiro. Você emprestaria com juros menores para o seu pai, que é um empresário capitalizado e organizado, ou para aquele seu tio endividado que vive na farra? O mercado faz a mesma conta. Países e empresas com selo “Investment Grade” (Grau de Investimento) são os bons pagadores. Abaixo disso, temos o “High Yield”, ou alto risco.

Para fins de comparação, o Brasil é considerado High Yield (o tio endividado) no cenário global, enquanto empresas sólidas americanas e o Tesouro dos EUA são considerados portos seguros. Se a empresa é sólida, ela paga menos juros. Se o risco é alto, ela precisa oferecer um prêmio maior.

2. Risco de Mercado (A Marcação a Mercado)

Este é o ponto que confunde muita gente. O preço de um título de renda fixa muda conforme a taxa de juros da economia. A regra básica é:

  • Juros sobem: O preço do título que você já tem cai (desvalorização).
  • Juros caem: O preço do título que você já tem sobe (valorização).

Lá nos Estados Unidos, a maioria dos títulos é pré-fixada. Isso significa que eles chacoalham bastante. Quanto maior o prazo de vencimento (o que chamamos de Duration), maior é esse balanço. Um título de 30 anos vai oscilar muito mais do que um de 2 anos.

O Momento Atual: Por que Investir Agora?

Estamos vivendo uma anomalia histórica positiva. Depois de mais de uma década com juros zerados nos EUA, o Federal Reserve (Fed) subiu as taxas para controlar a inflação. Hoje, temos juros na casa dos 4,5% a 5% em moeda forte.

Isso cria uma assimetria favorável para a renda fixa em dólar. Se os juros ficarem parados (“Higher for Longer”), você ganha com os cupons gordos (o carrego). Se os juros caírem em 2026, você ganha com a valorização do título na marcação a mercado. Veja abaixo uma comparação de perfis de investimento em ETFs de renda fixa internacional que analisamos:

Perfil do ETF Duration (Risco de Volatilidade) Retorno Estimado (Yield em Dólar) Característica
Títulos Curtos (Treasuries curtos) Baixa (~0 anos) ~4,0% ao ano Segurança máxima, quase não oscila.
Títulos Corporativos (Investment Grade) Média/Alta (~8 anos) ~5,0% ao ano Empresas sólidas (JP Morgan, Citi). Maior potencial de ganho se juros caírem.
Títulos Públicos Médios Média Intermediário Risco de crédito quase zero (Governo EUA), mas sofre se juros subirem.

Como você pode ver na tabela, é possível conseguir retornos de 5% ao ano em dólar investindo em empresas gigantescas e seguras, algo impensável há alguns anos.

Cuidado com as Pegadinhas das Corretoras

Com o aumento do interesse dos brasileiros pelo exterior, corretoras como XP, Inter, BTG e Avenue começaram a oferecer Bonds diretamente na prateleira (“vitrine”) do aplicativo. Mas aqui vai um alerta de amigo: cuidado com o spread.

Muitas vezes, quando a corretora te oferece um título pagando 3,5%, aquele título foi emitido originalmente pagando muito mais. A diferença fica com a corretora. Além disso, para montar uma carteira diversificada comprando Bonds individuais, você precisaria de muito dinheiro. Se o mínimo for mil dólares por título, para ter 100 ativos e diluir o risco, você precisaria de US$ 100.000,00 só em renda fixa.

Por isso, na maioria das vezes, a melhor estratégia para o investidor pessoa física é utilizar ETFs de Renda Fixa. Com um único ativo, você compra uma cesta com mais de 3.000 títulos, diversifica o risco de crédito e paga taxas muito mais justas, fugindo das pegadinhas de rentabilidade que “somem” no meio do caminho.

Para mim, ter renda fixa em dólar hoje não é apenas sobre proteção; é sobre ter um seguro que te paga para esperar. Você blinda seu patrimônio em moeda forte e ainda garante um fluxo de renda passiva consistente enquanto o mercado de ações decide para onde vai.

Especialista em investimentos globais da Finclass e analista CNPI. Engenheiro de gestão e bacharel em Ciência e Tecnologia pela Universidade Federal do ABC, Arrais também é engenheiro mecatrônico pela Middlesex University London. Tem experiência em consultoria financeira autônoma e análise de fundos de investimento.